Quanto da nossa personalidade é moldada por tendências da Internet ?

 


   O atual contexto de mundo globalizado, no qual temos acesso a diversas realidades e culturas por meio das redes sociais, apresenta indivíduos que frequentemente se identificam com múltiplas heranças culturais, levando à formação de identidades híbridas. Essas identidades refletem uma mistura de influências locais e globais, desafiando as noções tradicionais de pertencimento e identidade.

   Desse modo, os avanços nos meios de transporte e comunicação, responsáveis por promover uma integração cada vez maior entre os países, possibilitam a disseminação de padrões comportamentais que impactam diferentes culturas. Muitos desses padrões são compartilhados como tendências na internet, sendo rapidamente adotados como parte da identidade de milhares de pessoas. No entanto, esse processo de padronização comportamental tem contribuído para a falta de autenticidade entre indivíduos que permanecem cronicamente conectados.

   Diante da crescente influência da mídia no nosso estilo de vida, como podemos simplesmente ser nós mesmos? Para refletir sobre isso, prepare sua bebida favorita, aproveite para desacelerar e me acompanhe nessa jornada de análise comportamental.

1. O papel das redes sociais na disseminação de um padrão copontinental

   As redes sociais, como Instagram e tiktok , amplamente utilizadas no nosso dia a dia, passaram a desempenhar um papel central na formação identitária de jovens e adultos no mundo todo a partir do compartilhamento de diferentes estilos de vida e hábitos que atravessam continestes, gerando tendências globais de comportamento que muita vezes são adotadas como modelo a ser seguido. Consequentemente, os indivíduos passam a se comportar de forma homogênea ao serem afetados pelas mesmas influências culturais, o que leva à perda de sua autenticidade.

   O ato de aderir a tendências copontinentais apenas por serem "trend" na internet pode ser caracterizado como um efeito manada. O efeito manada é fenômeno psicológico e social caracterizado por indivíduos que tomam decisões ou adotam comportamentos baseando-se nas ações da maioria, mesmo que isso vá contra seus próprio valores e opiniões. A principal característica desse efeito é a falta de análise crítica por parte das pessoas que minimizam seus próprios valores e critérios em favor da adesão ao comportamento coletivo. Dessa forma, o desejo de pertencer a um grupo, evitar críticas e o isolamento leva os indivíduos a renunciar voluntariamente à sua autenticidade.

2.  A liquidez na relação com nós mesmos

   Nesse ponto, é possível perceber que desenvolvemos a nossa identidade pessoal a fim de nos encaixar no padrão imposto pelas influências midiáticas. Entretanto, esse padrão está em constante mudança já que ele varia de acordo com as tendências do momento. Esse fato impossibilita a construção de valores e hábitos sólidos que moldem nossa personalidade. Desse modo, a jornada do autoconhecimento na atualidade se torna cada vez mais árdua em vista da relação líquida que cultivamos com nós mesmos.

   A fim de ilustrar essa relação, cabe mencionar o livro "Modernidade Líquida", escrito por Zygmunt Bauman, no qual o sociólogo polonês explora o conceito de relações interpessoais líquidas. Ele utiliza a metáfora da "liquidez" para descrever como, na sociedade contemporânea, tudo se torna mais fluido, instável e passageiro, incluindo as relações humanas. Ampliando a aplicação desse conceito, podemos afirmar que as pessoas também cultivam relações instáveis consigo mesmas, uma vez que, ao moldar nossa personalidade para se encaixar nas tendências, desenvolvemos valores frágeis e instáveis que não fazem jus à nossa verdade, mas ao padrão aceito pela maioria. Sendo assim, em vez de construirmos uma identidade sólida e duradoura, muitas vezes adaptamos nossa personalidade de acordo com demandas externas e expectativas sociais. Isso nos leva a uma constante reinvenção, nem sempre baseada em quem realmente somos.

   Para além disso, na modernidade líquida de Bauman, há uma forte ênfase no indivíduo e na busca por satisfação pessoal, fazendo com que as relações sejam frequentemente utilitárias. Quando pensamos na nossa autoconexão, nos deparamos com um paradoxo: motivados pelo individualismo, buscamos a aprovação de um coletivo como forma de alcançar essa satisfação. Isto é, muitas vezes seguimos o efeito manada com o objetivo de fazer parte de um grupo e evitar críticas. Assim, a motivação intrínseca que nos leva a adotar tendências contemporâneas vai além da mera validação externa, sendo, na verdade, uma busca individualista por satisfação pessoal advinda do pertencimento e da ausência de julgamento.


3. O papel do influenciadore digital 

   Influenciadores digitais, celebridades e outras figuras públicas possuem um grande impacto na modelagem de comportamento e estéticas. Por exemplo, tendências de moda, música, beleza e estilo de vida são amplamente difundidas por meio de postagens e vídeos que atingem públicos diversos. É importante ressaltar que os Influenciadores muitas vezes promovem conteúdos populares, priorizando tendências que já estão em alta. Isso leva à uniformização de gostos e comportamentos em diferentes regiões, consolidando um padrão global.

   Esses criadores de conteúdos são vistos como ídolos, por isso impactam significativamente no desenvolvimento da identidade pessoal de seu público. A construção do ídolo é muito subjetiva, cada pessoa estabelece seus próprios critérios, estes que transitam nos campos da empatia, admiração, afinidade, entre outros. Naturalmente os fãs se identificam com o modo de viver, de agir e de pensar de seus ídolos. Entretanto, é importante lembrar que essas figuras públicas muitas vezes publicam apenas sua "melhor versão", impedindo que seu público alcance o conhecimento verdadeiro sobre sua personalidade fora das telas.

   A palavra ídolo, em latim, significa "simulacra" - uma representação ou imitação de uma pessoa ou coisa. Foi com o filósofo da Idade Moderna, Francis Bacon (1561-1626), que o termo assume o sentido de "falsas ideias". Isto é, de acordo com o empirismo de Bacon, o ídolo é uma ideia falsa que deturpa o nosso entendimento sobre as coisas. Aplicando a Teoria dos Ídolos aos criadores de conteúdos, é possível concluir que apenas temos acesso à uma persona , termo que diz respeito à uma máscara ou ao papel social que uma pessoa apresenta ao mundo, e não a uma personalidade 100% verídica. Essa persona compartilhada pelos influenciadores digitais é como eles querem ser percebidos pelos outros e, frequentemente, é adaptada ao contexto ou às expectativas externas. Sendo assim, ao invés de copiar a máscara de uma pessoa, apenas seja você, mesmo que seja estranho.

Conclusão 

   Por fim, diante de um mundo cada vez mais integrado e pautado na padronização cultural pelos principais agentes da globalização, o indivíduo que embarca em uma jornada de autoconhecimento a fim de viver de forma autêntica enfrentará um caminho árduo e solitário. No mundo atual, é mais confortável nos moldar de acordo com tendências da internet e seguir o efeito manada ao invés de deliberadamente evitar as falácias dos ídolos. Entretanto, sempre vale a pena buscar construír uma relação mais sólida consigo mesmo, participando ativamente do desenvolvimento da sua própria identidade, mesmo que isso signifique aprender a apreciar a solitude e ser criticado vez ou outra.

   A angústia de estar fora da bolha é dolorosa, mas não se compara ao sentimento de não saber quem você é sem todas as influências midiáticas que formam a sua personalidade. Reflita sobre isso: quem é você quando ninguém está olhando?


" Buscas a perfeição? Não sejas vulgar. A autenticidade é muito mais difícil. "  Mário Quintana   


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